quinta-feira, 9 de julho de 2015

LEITURA: "O MELHOR PROFETA DO FUTURO É O PRESENTE" - WAGNER NOVAES

















Wagner dos Reis Novaes é seu nome completo. O "dos Reis" é porque nasceu em 6 de janeiro e, para agradar-se a si mesma e à sua mãe, a mãe de Wagner deu-lhe o nome que queria e evitou chamá-lo Gaspar, Melchior ou Baltazar. Cursou o primário, o ginásio, o secundário e Direito em Maceió. Estudou depois na Fundação Getulio Vargas, no Rio, e na Universidade Internacional de Estudos Sociais, em Roma. Foi professor de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira nas universidades de Bari e Roma, na Itália; na de Buenos Aires (Argentina); na de Barcelona (Espanha). Foi diretor do Centro de Estudos Brasileiros em Roma e Buenos Aires. Atualmente, é diretor do Centro Cultural do Brasil em Barcelona.

"À noite, todas as pardas são gatas"? (Provérbio popular)

Wagner dos Reis Novaes. A transgressão do provérbio nos provoca um desvio, renovando-o, e levando-nos a pensá-lo diferentemente. Essa transgressão é a mesma do Chico Buarque em Bom conselho: "Devagar é que não se vai longe / Eu semeio vento na minha cidade / Vou pra rua e bebo a tempestade". É transgressão e é brincadeira - brincadeira que quer ser séria, para renovar o espanto diante das coisas mais simples, das coisas da rotina. É desarrumação da linguagem, no dizer de Manoel de Barros. É uma desconstrução que, ao eliminar o automatismo do provérbio, do comum, contraria o automatismo e, supreendentemente, recupera a força do saber comum. E renova e enriquece a língua. Mais: em Desenredo (de Terceiras estórias), essa trangresssão tem a genialidade de Guimarães Rosa: "No decorrer e comenos, Jó Joaquim entrou sensível a aplicar-se, progressivo, jeitosão afã. A bonança nada tem a ver com a tempestade". "... dolorido, mas já medicado. Vai, pois, com a amada se encontrou (...). Nela acreditou, num abrir e não fechar de ouvidos." 

"A gratidão de quem recebe um benefício é sempre menor que o prazer daquele que o faz"? (Machado de Assis)

No texto machadiano (Almas agradecidas) do qual você extraiu a pergunta, há outras coisinhas preciosas que repito aqui: "... Mas o desejo de servir tem mil maneiras de se manifestar". (...) "Qual importa mais à vida, ser Dom Quixote ou Sancho Pança? O ideal ou o prático? A generosidade ou a prudência?"... "A explicação desta diferença está talvez neste fundo de egoísmo que há em todos nós". Há pouco mais de um ano um canário entrou na minha casa e vem me dando a alegria diária de seu canto maravilhoso. Eu lhe dou carinho, água e comida. A alegria que tenho em lhe dar o alimento de seu cantar - e sei que ele me agradece através de sua música e de seus pios - é, tenho consciência disso, maior que a felicidade dele. É verdade franciscana: Ó Mestre, fazei que eu procure mais / Consolar, que ser consolado; compreender, que ser compreendido; / amar, que ser amado. / Pois é dando que se recebe, / é perdoando que se é perdoado, / e é morrendo que se vive para a vida eterna. 

"A amizade é animal de companhia, não de rebanho"? (Plutarco)
Para ficar no bem tradicional, há amizade e há amizade. Há a amizade de companhia e há a amizade de rebanho. Há a amizade que pede a presença confortável, amparo necessário e constante, para estar lado a lado com conversas e silêncios, sorrisos e carrancas. Atualmente essa presença pode estar na internet... Amigos distantes, mas muito próximos. E há as amizades "sociais", que devem merecer nosso respeito, nossa apreciação, nossa humanidade, nossa justiça. Não preciso de "um milhão de amigos". Preciso da felicidade (difícil) dos meus sete bilhões de contemporâneos. Exemplo de amizade: um dia surpreendi um amigo, que se dizia ateu, consertando o velho rosário de sua irmã mais velha. Ele entendeu meu olhar surpreso e explicou: ela vai ficar alegre. 

"O melhor profeta do futuro é o passado"? (Lord Byron) 

Mais do que o passado, o melhor profeta do futuro é o presente mesmo. Seremos o que somos, mudando apenas as formas de estarmos no mundo. E aqui estamos como uns insetos de duas pernas - alguns santos homens, alguns demônios - preocupados. Estamos como, por exemplo, moscas nervosas "a se mexerem, sem objetivo nenhum no nosso pequeno bólido perdido no universo" (Everardo Norões, em Entre moscas).

"Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer"? (Ítalo Calvino) 

O mesmo Ítalo Calvino disse que toda releitura de um clássico é uma leitura de descoberta como a sua primeira leitura. A questão é saber o que é um clássico. A própria noção de clássico é histórica. A primeira definição de clássico está ligada ao conceito de classe. Havia o escritor clássico - classicus era o cidadão que, graças à sua posição econômica, gozava de grande prestígio, de dignitas e de auctoritas - e havia o escritor proletário. Alguns clássicos foram (talvez continuem sendo) instrumentos de tortura. Lembra-se da 'sofrência' que padecemos para a análise sintática de Os Lusíadas? Agora, creio, o novo conceito de clássico - o que superou a moda - nos permite a leitura dos contemporâneos. Aí estão, entre outros, nossos clássicos Machado de Assis, Graciliano Ramos, João Cabral de Melo Neto, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Manoel de Barros.

"Os defeitos do espírito, assim como os do rosto, aumentam com a velhice"? (La Rochefoucauld)

"Mesmo rosa sequíssima e seu perfume de pó, / quero o que desse modo é doce, / o que de mim diga: assim é. / Pra eu parar de temer e posar pra um retrato, / ganhar uma poesia em pergaminho". (Adélia Prado, fragmento de Páscoa). Não creio que a velhice agudize a acidez de alguns espíritos. Minha experiência com a velhice - a minha e a de tantos outros - é que a impaciência, o nojo, e as dores de todo tipo não são defeitos. Defeito é ser ambicioso, faminto de prestígio, de poder. Ainda bem que a morte acaba com esses defeitos e os seus defeituosos.

"A paixão amorosa é a última, a extrema solidão"? (Lou Salomé)

É uma loucura. Mesmo que seja o amor divino - aquele que "move o sol e as outras estrelas", no dizer de Dante. O amor de Cristo ou de Ghandi, de Teresa de Calcutá ou de qualquer missionário/a, dos mártires religiosos ou civis por amor ao próximo, é loucura. É uma loucura perfeita, que é o desejo do bem do outro. Com Tom Zé: "O amor é medo e maravilha.(...) O amor é poço / Onde se despejam / Lixo e brilhantes: / Orações, sacrifícios, traições.


"Engolimos de uma vez a mentira que nos adula e bebemos gota a gota a verdade que nos amarga"? (Diderot)

Nem sempre. Nossa vida social, em que se inclui nossa família, nos obriga, tanto de uma vez como em goles curtos, em alguns casos, a engolir sapos, cobras, lama, e a beber óleo de rícino, vômitos de moscas-varejeiras. E nosso convívio íntimo nem sempre é suave. Em nome da paz, da tranquilidade, tragamos mentiras, enganos. É a vida. "Viver é perigoso", não é, Guimarães Rosa? ‡

Fonte: Gazeta de Alagoas, 31 janeiro de 2015.